Há quatro décadas o Willys Interlagos trazia à nossa
indústria estilo e desempenho de Primeiro Mundo
Iniciada em 1956 com o Romi-Isetta e com a perua DKW-Vemag, a indústria brasileira de automóveis ainda engatinhava quando a Willys-Overland do Brasil apresentou no II Salão do Automóvel, realizado no Pavilhão do Ibirapuera em outubro de 1961, o Interlagos. Um pequeno carro esporte, lançado aqui ainda durante a produção de seu equivalente europeu, não era exatamente o que se esperava de uma nação onde, há apenas cinco anos, rodavam apenas veículos importados.
Por sugestão do publicitário e jornalista Mauro Salles, o carro foi denominado Interlagos em alusão ao autódromo paulistano (que em 1977 seria renomeado José Carlos Pace, homenagem ao piloto brasileiro, falecido em março daquele ano em acidente aeronáutico). Era a versão brasileira do Renault Alpine A 108 francês, lançado em 1956 e produzido até 1963. Suas linhas básicas, no entanto, sobreviveriam no modelo A 110, de 1962, fabricado até a década seguinte.
A versão francesa: lançado em 1956, o Alpine A 108 teria suas linhas básicas mantidas na geração seguinte, A 110, que chegou até a década de 70 |
A fábrica do Interlagos ficava no bairro paulistano do Brás, mas logo mudava-se para o de Santo Amaro. Era uma filial da Willys-Overland do Brasil -- que ficava no bairro do Taboão, em São Bernardo do Campo, SP, onde está hoje a Ford -- e sempre foi dirigida por gerentes americanos. O piloto Christian Heins dirigia a área de competições até sua morte, na 24 Horas de Le Mans em junho de 1963, pilotando justamente um Alpine. Com a morte de Heins, assumiu a direção da divisão Luiz Antonio Greco, que se tornaria um dos grandes nomes do automobilismo brasileiro.
O motor básico era o Gordini, de 845 cm3 e 32 cv (potência líquida; os "40 hp" apregoados na publicidade deste eram brutos), mas na berlineta era empregado o do Renault 1093, com a mesma cilindrada e 42 cv. Todavia, era possível encomendá-los com cilindrada de 904 cm3 (56 cv) e 998 cm3 (70 cv), esta exclusiva da berlineta. As montagens dos motores de 904 e 998 cm3 eram realizadas na própria fábrica do Interlagos. Eram trocados os cilindros e pistões, pois as camisas eram úmidas, uma operação fácil. Pistões com diâmetro de 60 mm (contra 58 mm do original) levavam a 904 cm3, e os de 63 mm, a 998 cm3. O curso de 80 mm era mantido.
A berlineta, com seu formatofastback, saía com motores mais potentes: 845 cm3 e 42 cv, 904 cm3 e 56 cv e o potente 998 cm3 de 70 cv, praticamente de competição |
No motor de maior cilindrada eram usados comando de válvulas Redelé, mais "bravo", carburador Weber de corpo duplo e taxa de compressão de 9,8:1, exigindo o uso da chamada gasolina azul, de maior octanagem (a mesma da comum atual, 95 octanas RON). Foi o primeiro carro nacional com essa exigência. A potência específica era elevada, 70 cv/l, como nos modernos motores de 1,0 litro a injeção multiponto. Mas era praticamente um motor de competição, com pouca filtragem de ar, torque reduzido em baixa rotação e pequena vida útil
NAS PISTAS
Bem preparados, os Interlagos eram atração na Divisão 1 do Campeonato de Turismo. Na foto, o carro pilotado por Bird Clemente, no encontro de antigos de São Lourenço, em 2001 |
A equipe de competições da Willys foi, juntamente com a da Vemag, a de maior presença no automobilismo brasileiro. Gerenciada inicialmente pelo piloto Christian Heins, que logo morreria num trágico acidente em Le Mans com uma hora de corrida, prosseguiu sob a direção de Luiz Antônio Greco até à absorção da Willys pela Ford em 1967.
Greco só retornaria à cena em 1973, com Maverick GT, quando a Ford decidiu se empenhar nas provas de longa duração idealizadas pelo empresário e piloto Antônio Carlos Avallone, a começar pela 25 Horas de Interlagos em maio. A escolha por uma categoria de pouca preparação, a Divisão 1 Turismo de Série Brasileiro, mostrou-se acertada, com grande adesão de fábricas e pilotos. O sucesso foi tão grande que no ano seguinte a CBA criava o campeonato de Turismo da modalidade.
Mas, ao contrário do que ocorrera na fase Ford, a equipe Willys era notável. As três berlinetas e os três sedãs 1093 eram amarelos com uma larga faixa azul, que ia da extremidade dianteira a até o final dos carros. Os carros eram muito bem preparados e constituíam a grande atração de qualquer corrida. A missão das berlinetas era justamente enfrentar os DKWs, e só foi tornada possível por causa de uma dessas trapalhadas da FIA, a Federação Internacional do Automóvel.
Em 1962, os carros de dois lugares (a berlineta não tinha dimensões internas mínimas para ser considerada um quatro-lugares) com motor de até 1.000 cm3 passaram a ser considerados de Turismo (antes só até 700 cm3). Com isso, a berlineta podia enfrentar o DKW na mesma categoria.
A comunidade automobilística ficou indignada, pois tratava-se de grã-turismo contra turismo. Houve suspeita de favorecimento da entidade sediada em Paris para a Renault, veladamente sob a forma de Alpine. O fato é que a chegada da berlineta Interlagos às pistas deu grande hegemonia à Willys, nos anos 1963 e 1964, e foi o principal alavancador para o surgimento do DKW GT Malzoni.
O Interlagos venceu provas como a 500 Milhas de Porto Alegre, em 1963; o GP do Estado da Guanabara, a 500 Quilômetros de Interlagos, a 200 Milhas de Montevidéu (Uruguai), todos em 1964.
Grandes nomes dirigiram para Greco a esse tempo, como Émerson e Wilson Fittipaldi Jr., Luiz Pereira Bueno, José Carlos Pace, Bird Clemente, Lian Duarte a Antônio Porto Filho. Bird pilotando a berlineta era um show à parte. As curvas feitas em derrapagem controlada, com o carro todo de lado, eram verdadeiramente eletrizantes. Um passado que parece não voltar mais.
Graças ao baixo peso, o pequeno Willys acelerava junto de carros esporte de renome. A berlineta de 70 cv chegava a 80 km/h, partindo do zero, em 9,3 segundos e a 100 km/h em 14,1 s, conforme medições de uma revista da época. Eram números próximos aos do MGB de 1,8 litro e melhores que os do Triumph Sport Six, de 1,6 litro, ambos britânicos. A velocidade máxima dessa versão ficava em torno de 160 km/h, atingidos com o motor no regime máximo de 6.500 rpm.
Em um tempo de projetos defasados, o Interlagos exibia estilo e desempenho atuais em termos mundiais: foi um passo importante de nossa indústria |
A eficiente suspensão dianteira usava braços desiguais sobrepostos, mas na traseira o sistema era de semi-eixo oscilante, como o do Fusca, nada adequado ao uso vigoroso. Um problema particular dessa suspensão era a localização longitudinal da roda, que deixava muito a desejar. Todo o esforço de tração e frenagem era concentrado na articulação da capa da semi-árvore, não havendo braço longitudinal.
Logo apareciam folgas na articulação, percebidas a olho nu pela movimentação da roda para a frente e para trás. O problema acentuava-se à medida em que a potência subia. Havia empresas que ofereciam o item, que finalmente acabou sendo usado no Gordini IV, mas como projeto de fábrica. Os freios ainda usavam tambores nas quatro rodas, pois os discos só chegariam ao Brasil com o DKW Fissore, em 1964.
A versão cupê tinha estilo próprio, com três volumes bem definidos e cabine mais compacta, sem a pequena janela triangular que havia na berlineta |
O Interlagos foi produzido até 1966, com um total de apenas 822 unidades. Muitos modelos fora-de-série (construídos por pequenos fabricantes) e alguns poucos carros esporte das grandes marcas ocupariam seu espaço nas décadas seguintes. Mas os entusiastas por esse tipo de automóvel nunca esquecerão esse pioneiro da indústria nacional.
Interlagos berlineta de 70 cv
MOTOR - longitudinal traseiro; 4 cilindros em linha; arrefecimento a líquido; comando no bloco, 2 válvulas por cilindro. Diâmetro e curso: 63 x 80 mm. Cilindrada: 998 cm3. Taxa de compressão: 9,8:1. Potência máxima: 70 cv. Torque máximo: ND. Carburador de corpo duplo.
CÂMBIO - manual, 4 marchas; tração traseira.
SUSPENSÃO - dianteira, independente, braços sobrepostos; traseira, independente, semi-eixos oscilantes.
FREIOS - dianteiros e traseiros a tambor.
DIREÇÃO - sem assistência.
RODAS - pneus, ND.
DIMENSÕES - comprimento, 3,78 m; entreeixos, 2,10 m; capacidade do tanque, ND; peso, 535 kg.
DESEMPENHO - velocidade máxima, 160 km/h; aceleração de 0 a 100 km/h, 14,1 s.
Dados de desempenho aproximados; ND = não disponível
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