quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Alfa Romeo 2000 / FNM JK 2000 1967


O carro do presidente


Lançado como JK 2000 e renomeado 2150, o sedã da FNM
foi nosso primeiro Alfa Romeo e trouxe muitas inovações

Juscelino Kubitschek, presidente da República entre 31/1/1956 e 31/1/1961, foi sem dúvida um grande incentivador da fabricação de automóveis no Brasil. Foi quem criou em 16 de maio de 1956 o Geia, Grupo Executivo da Indústria Automobilística, parte de seu projeto de fazer o País crescer "50 anos em cinco". Nada mais justo, portanto, que ser homenageado pelo carro nacional mais moderno lançado durante seu governo: o FNM 2000 JK.

A Fábrica Nacional de Motores (FNM), fundada em 1942, tinha 53% de seu capital social nas mãos do Tesouro Nacional e o restante nas de particulares. Durante aquela década, produziu de geladeiras a motores aeronáuticos às margens da rodovia Rio de Janeiro—Petrópolis. Em 1949 começava a fabricar caminhões sob licença da italiana Isotta-Fraschini, que três anos depois dariam lugar a modelos licenciados pela Alfa Romeo.

O Alfa Romeo 2000 italiano, lançado em 1957: linhas elegantes e motor de duplo comando e 105 cv
A marca italiana havia lançado no Salão de Turim de 1957 o sedã 2000, para ocupar um segmento logo acima do Giulietta e do já antigo 1900. Deste último ele aproveitava a plataforma, embora com maior distância entre eixos, e a base para o motor de 2,0 litros e duplo comando de válvulas, que fornecia potência (líquida) de 105 cv. O câmbio de cinco marchas tinha a alavanca na coluna de direção.

A mesma mecânica, em versão de 115 cv, foi usada em dois modelos mais esportivos: o 2000 Spider, um conversível de dois lugares (depois também 2+2), e o 2000 Sprint, cupê de quatro lugares que foi o primeiro Alfa com quatro faróis. No Salão de Genebra de 1962 a série 2000 dava lugar à 2600, com motor de seis cilindros em linha, 2,6 litros e 130 cv no sedã (145 cv nos esportivos), além de freios dianteiros a disco e algumas mudanças de estilo. Essa linha foi produzida até 1969 e não teve sucessor por uma década: só em 1979, com o Alfa 6, a marca voltaria a oferecer um sedã desse porte.

Evolução: o 2600 chegava cinco anos depois com um seis-cilindros de 130 cv, freios a disco na frente e algumas mudanças de estilo
Um nacional atualizado A versão brasileira do Alfa 2000, o FNM JK, viria ocupar uma posição de destaque no segmento de luxo, pois a indústria nacional até então só oferecia modelos já ultrapassados em seus países de origem, como o Aero-Willys e o Simca Chambord. Em 21 de abril de 1960, dia da inauguração de Brasília, era apresentado o Alfa Romeo brasileiro. No início o carro era apenas montado, com componentes vindos da Itália, no distrito de Xerém — erguido no município de Duque de Caxias, RJ praticamente em função da FNM.

Seu estilo imponente seguia as tendências européias da época, como os pára-lamas destacados em relação ao capô e à tampa do porta-malas, a grande área envidraçada, o pára-brisa e o vidro traseiro envolventes e a simplicidade de linhas, sem o excesso de adornos que se via nos carros americanos. Abaixo dos faróis vinham unidades auxiliares e, nos pára-lamas dianteiros, repetidores das luzes de direção.

O espaçoso interior trazia um padrão de conforto incomum nos concorrentes. O banco dianteiro inteiriço permitia ajustes de encosto independentes para motorista e passageiros, enquanto o traseiro possuía um apoio de braço central. Era possível reclinar os encostos dianteiros até formar uma cama improvisada que compreendia o assento do banco do traseiro. Havia críticas, no entanto, à grande altura das soleiras — o que dificultava o acesso — e à montagem do retrovisor interno sobre o painel, onde não conseguia o mesmo campo visual de um espelho junto ao teto.


A versão brasileira, chamada de FNM JK até 1964: embora com 10 cv a menos, seu desempenho era superior ao de qualquer nacional da época
O grande volante trazia um aro para acionar a buzina e, no centro, o botão do relampejador de farol alto — como que sugerindo seu uso para pedir passagem na estrada, algo que o motorista de um JK poderia fazer com freqüência, dada sua supremacia em desempenho entre os nacionais. A alavanca de câmbio na coluna de direção pode parecer muito americana, mas estava em voga também na Europa mesmo em carros menores, como o Fiat 1100 ("Millecento") e o Peugeot 203.

No painel, o clássico velocímetro em escala horizontal, cujo "ponteiro" era uma faixa vermelha que se deslocava, contrastava com a esportividade do conta-giros circular — o primeiro em um carro brasileiro — e graduado até 7.000 rpm, cerca de 1.000 rpm acima de seu limite de giros. Havia também manômetro de óleo e numerosas luzes-piloto. Entre os itens de conveniência estavam luzes de leitura e cinzeiros à frente e atrás, alças de teto para os passageiros, ventilação forçada (rara na época) e um completo jogo de ferramentas, incluindo calibrador de pneus. O bom porta-malas, de cerca de 450 litros e bem retangular, alojava a bateria.


Na publicidade (antes da perda da sigla JK, acima, e depois, ao lado) a FNM vendia uma imagem de requinte, embora a técnica atualizada fosse outro destaque do 2000
Mecânica muito à frente Se no desenho e no conforto o JK já era mais moderno que os outros nacionais de 1960, na mecânica mostrava-se muito adiante dos defasados modelos da concorrência. Seu motor, de acordo com as tradições da Alfa Romeo, tinha duplo comando de válvulas no cabeçote (de alumínio), válvulas de escapamento refrigeradas com sódio em seu interior, câmaras de combustão hemisféricas e sistema de arrefecimento com válvula termostática.

A potência de 115 cv brutos (padrão neste artigo para os modelos nacionais), ou 95 cv líquidos, e o torque máximo de 15,9 m.kgf resultavam em desempenho brilhante para a época, com aceleração de 0 a 100 km/h em cerca de 18 segundos e velocidade máxima de 155 km/h. Um atributo que não demorou a brilhar nas pistas de corrida (leia boxe). A principal diferença em relação ao Alfa 2000 estava na taxa de compressão do motor, reduzida de 8,25:1 para 7,25:1, a fim de lidar com a baixa octanagem da gasolina nacional comum de então. E não era um devorador de combustível: o consumo médio ficava em torno de 7 km/l e na estrada chegava a fazer 10.

O câmbio foi o primeiro por aqui com cinco marchas, todas sincronizadas, e a embreagem usava comando hidráulico. A quinta ainda não seguia o conceito de sobremarcha, que só se tornaria comum duas décadas depois para economia de combustível: era com ela que se atingia a velocidade máxima, ficando a quarta limitada a 132 km/h. Os freios usavam tambores de alumínio, com aletas para melhor dissipação de calor, embora faltasse a assistência de um servofreio.

Câmbio de cinco marchas, motor com câmaras hemisféricas, freios com tambores de alumínio, pneus radiais: o FNM 2000 foi pioneiro em vários recursos na produção brasileira
Os pneus eram radiais Pirelli, outra primazia no País, com aro medido em milímetros — 400, o equivalente a 15,7 pol. E a suspensão, independente à frente com braços triangulares sobrepostos e de eixo rígido na traseira, usava molas helicoidais em ambas para um rodar suave e silencioso. Tudo somado, o carro transmitia bem maior segurança que os concorrentes.

O JK foi, durante muito tempo, uma rara aparição em nossas ruas e estradas. Primeiro por ser caro: em junho de 1961 custava 1,54 milhão de cruzeiros, abaixo apenas do Simca Présidence (1,57 milhão), mas bem acima de um Aero-Willys (1,06 milhão) ou mesmo Simca Chambord (1,28 milhão). Além disso, a produção era pequena — em torno de 500 unidades por ano — e não era fácil conseguir um. O melhor meio era um "pistolão", a recomendação de algum político, já que a fábrica era estatal... Por causa disso, em 1963 já se via a curiosa situação de um modelo usado do mesmo ano valer 10% mais que o preço de tabela do carro zero-quilômetro.

Grade central mais baixa, capô liso e pára-choques sem garras eram identificações externas do TIMB, o JK esportivo, cujo motor ganhava 45 cv
Foto: Cláudio Larangeira*

Poucas foram as modificações feitas nos primeiros quatro anos do JK. A extremidade das garras dos pára-choques mudou de circular para retangular, o aquecimento interno foi abolido, a luz de ré de cor âmbar passou a ser branca e o revestimento dos bancos variou entre tecido, vinil e couro. Em 1964, por causa do golpe militar em março que pôs fim ao governo de João Goulart, a sigla JK era descartada, sendo o carro chamado apenas de FNM 2000. Também desapareciam dos logotipos, na frente e no porta-malas, as colunas estilizadas do Palácio da Alvorada.

TIMB e 2150 Novidades de monta, mesmo, só chegavam em 1966 com a versão esportiva TIMB — sigla para Turismo Internacional Modelo Brasil, em alusão à TI muito usada nos Alfas italianos. O carro teria sido chamado de Jango, apelido de João Goulart, não fosse a deposição do presidente dois anos antes. Na frente, a grade vertical tradicional da Alfa ficava mais baixa e larga, integrada às grades horizontais, sendo eliminado o ressalto no capô que lhe dava continuidade. O pára-choque não tinha garras e era composto de duas seções, separadas pela placa de licença