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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Toyota Bandeirantes 1967


Toyota Bandeirante





Depois de quatro décadas, o envelhecimento tirou de
linha o jipe japonês, um desbravador de caminhos

"Indestrutível", "sobe até em paredes", "um verdadeiro tanque de guerra". Estas são algumas das frases sempre associadas a um ícone da indústria nacional de veículos fora-de-estrada, que deixou de ser produzido no ano passado: o Toyota Bandeirante.

Para entender como o Bandeirante é sinônimo de robustez, durabilidade e valentia é preciso conhecer um pouco da história da própria Toyota Motor Corporation. O Bandeirante, conhecido no exterior como Land Cruiser, foi um dos principais produtos da marca japonesa no mundo todo e teve a importante missão de atestar a qualidade de seus veículos.

O encerramento da fabricação do Bandeirante, em novembro: último momento de uma trajetória que começou com o 1950 com o Toyota BJ
 Tudo começou em 1907, quando o japonês Sakichi Toyoda fundou a Toyoda Loom Works, uma fábrica de teares automáticos para a indústria têxtil, cujo nome passaria depois a Toyoda Automatic Loom Works. Seu filho, Kiichiro Toyoda, participava ativamente do desenvolvimento da empresa, mas tinha outro objetivo em mente: fabricar automóveis.

Em 1930, Kiichiro começava a construir o primeiro protótipo de um motor de combustão interna dentro da fábrica do pai. Em menos de quatro anos, o progresso do jovem Toyoda era tão grande que seu pai acabava levando a idéia a sério, criando a divisão de automóveis da empresa. O primeiro motor, um seis-cilindros em linha de 3,4 litros designado como tipo A, foi construído em setembro de 1934 e o protótipo do primeiro automóvel, o modelo A, concluído em maio de 1935.

Analisando os benefícios fiscais concedidos pelo governo japonês para a produção de veículos utilitários, Kiichiro decidiu que seria melhor entrar no mercado de comerciais leves e caminhões pequenos, deixando de lado o protótipo do modelo A. Em pouco tempo, em agosto do mesmo ano, o utilitário da Toyota estava pronto. Tratava-se do modelo G1, que ficou apenas na fase de protótipo.
O BJ nasceu de um pedido do governo americano a fabricantes asiáticos: precisava de um jipe similar ao Willys MA1 para combater na Guerra da Coréia
Em julho de 1936, o jovem Kiichiro decidia que o nome Toyota tinha uma fonética mais agradável do que o sobrenome utilizado na fábrica de teares do pai. Assim, a Toyota Motor Co. Ltd. era fundada em 28 de agosto de 1937. A primeira fábrica foi inaugurada em novembro de 1938, destinada à produção do modelo BM, utilitário cujo motor de 75 cv seria utilizado como base para o primeiro protótipo do Land Cruiser.

Então veio a Segunda Guerra Mundial e, em 1941, o governo japonês solicitava à Toyota a produção de um utilitário leve, que pudesse ser utilizado na expansão do território japonês durante o conflito. Foram construídos os dois primeiros protótipos do caminhão Toyota AK-10, em 1942, mas o projeto não agradou ao governo, que acabou optando por fazer a solicitação à Nissan.

Infelizmente, não existe nenhum exemplar remanescente ou mesmo fotografia do AK-10. O único registro disponível é um esquema detalhado do primeiro protótipo, que se assemelhava muito ao estilo consagrado do Bandeirante, com grade dianteira bem definida, pára-lamas retos, pára-brisa basculante e apenas uma plataforma traseira, sem caçamba. Grande parte do motor e da transmissão era derivada do modelo BM.

Apesar de considerado por alguns uma cópia do Jeep, o BJ (foto) diferenciava-se pelo entreeixos longo, capacidade de carga superior e transmissão sem caixa de transferência
Com o final da guerra e a rendição do Japão, a Toyota era autorizada a continuar a fabricação de seus utilitários, mas estava proibida de voltar a produzir propulsores aeronáuticos. Em 1947 retornava à produção de dois modelos, o BM (caminhão leve) e o SB (utilitário para pequenas cargas).O Jeep japonês   Três anos depois, com o advento da Guerra da Coréia, o governo americano estava procurando um fabricante asiático que fosse capaz de entregar em tempo recorde 1.000 veículos 4x4, semelhantes ao Willys Overland MA1. Aproveitando toda sua experiência na produção de utilitários, a Toyota não pensou duas vezes e apresentou sua versão para o Jeep: o Toyota BJ.

Analisando apenas o desenho externo, muitos consideram o Bandeirante uma cópia fiel dos primeiros Willys MB, assim como vêem em seu primeiro protótipo, o Toyota BJ, uma cópia dos jipes da Bantam, primeira fábrica a apresentar um projeto de jipe ao governo americano. Mas isso é desmistificado pelas especificações de cada modelo: as semelhanças se limitavam ao formato retilíneo, ao pára-brisa basculante e aos três assentos.

A única semelhança do Land Cruiser com um produto americano era o motor Toyota 2F, nitidamente baseado no Chevrolet de seis cilindros em linha e 3.687 cm3, popularmente conhecido nos EUA como "maravilha de ferro fundido". A semelhança é tanta que todos os agregados do motor são intercambiáveis, o que faz do motor Toyota uma cópia quase perfeita do motor Chevrolet. Até o ruído de funcionamento é praticamente o mesmo.

Curiosamente, o motor do primeiro jipe da Toyota era muito parecido ao Chevrolet de seis cilindros e 3,7 litros. Até o ruído de funcionamento era praticamente igual
Os detalhes restantes eram exclusivos do projeto da Toyota: sua capacidade de carga era bem superior, o entreeixos chegava a 2,38 metros (limitado no Willys MA a 75 polegadas, 1,9 metro), era mais alto, a transmissão não contava com caixa de transferência e o peso era bem maior. Ficava bem distante, portanto, das exigências do exército para o Willys MA, projetado de maneira a ser o mais leve e compacto possível, além de poder utilizar a mecânica de um automóvel comum (o "pequeno" Continental de quatro cilindros). Neste caso, o torque insuficiente para um utilitário seria compensado por uma caixa de transferência de duas velocidades, capaz de transformar o 4x4 americano em um pequeno trator.

O projeto do BJ seguia uma linha totalmente diferente, onde componentes mecânicos dos caminhões Toyota eram aproveitados em larga escala para baratear o desenvolvimento. Em vez de um 4x4 leve e compacto, o resultado final mais se assemelhava a um pequeno caminhão, robusto ao extremo -- uma das principais características do Bandeirante.

O torque do motor B-85 de seis cilindros e 3,7 litros -- 28,7 m.kgf a 2.300 rpm -- era suficiente para descartar a necessidade da caixa de transferência. Era adotada uma transmissão de quatro marchas, sendo apenas as duas últimas sincronizadas. A primeira era uma espécie de reduzida, com relação extremamente curta (5,53:1), suficiente para multiplicar o torque enviado às rodas quando necessário.

O FJ25, um dos primeiros da linhagem a utilizar o nome Land Cruiser. Despojado mas muito robusto e valente, era semelhante ao primeiro Toyota montado no Brasil
Como se não bastasse, o Toyota AK-10, precursor mais antigo do Land Cruiser, era apresentado apenas um ano depois que os primeiros MA1 da Willys-Overland chegavam ao Japão -- tempo insuficiente para que a Toyota desenvolvesse seu produto com base no 4x4 americano. Além disso, o primeiro lote de Willys MB não havia chegado ao Pacífico até 1943, o que afasta em definitivo a idéia de que o Land Cruiser seja uma cópia do Jeep ou, muito menos, do Land Rover, que só estaria disponível a partir de 1949.Land Cruiser, a origem   Apesar de conhecido pelas forças armadas americanas como "Toyota Jeep", o nome Jeep era uma marca registrada da Willys-Overland, o que forçou a Toyota a adotar outro nome. Em 24 de junho de 1954 o mundo passava a conhecer o Land Cruiser. A produção começara em 1953, com o mesmo estilo "patinho feio" do primeiro Bantam, e permaneceria assim por três anos, até que surgisse o Land Cruiser FJ-25.
A perua FJ28, com acabamento em madeira nas laterais, lembrava as primeiras Rural Willys vendidas aqui
Praticamente igual ao primeiro Bandeirante que chegaria ao Brasil em 1958, usava uma evolução do motor anterior, conhecida como 2F, cuja cilindrada era aumentada para 3,8 litros em 1955. A qualidade geral não impressionava, em parte pelo estilo um tanto incomum e pelo acabamento (ou ausência dele...). Mas bastavam poucas voltas ao volante para perceber que se tratava de um veículo valente, que convencia pela capacidade de se deslocar em terrenos irregulares e pela robustez do conjunto mecânico.

Ainda em 1954 os primeiros Land Cruisers eram exportados para o Paquistão, conhecido por suas condições inóspitas. Aos poucos o Toyota ganhava mercado, sendo vendido logo em seguida para a Arábia Saudita, país em que se tornaria muito popular pela resistência e qualidade. Fez tanto sucesso no Oriente Médio que a produção paquistanesa começou em 1970. Para atender à enorme demanda no Oriente Médio e sul da Ásia, mais uma linha de produção surgiria em Bangladesh, em 1982.

Países da África e Oriente Médio, com suas condições severas de rodagem, foram alguns dos principais mercados do Land Cruiser, apreciado por sua resistência

Através da Etiópia os primeiros Lands ingressavam em 1956 na África, onde a Toyota acabou enfrentando problemas para divulgar seu produto, por causa da grande variedade de dialetos falados no continente. A solução encontrada foi rodar com um único jipe por todo o território africano, apresentando-o em todos os países e fazendo uma verdadeira "propaganda boca a boca". O resultado da campanha foi tão bom que, em 1977, a Toyota montava uma linha de produção do Land Cruiser no Quênia.

Em 1957 o jipe nipônico chegava aos Estados Unidos. Fez tanto sucesso que continuou a ser exportado para lá até 1983. As vendas para o Canadá começavam em 1964, e logo esses dois mercados tornavam-se tão representativos para a Toyota que consumiam boa parte da produção japonesa.

E não parou por aí. Em julho de 1959 as primeiras unidades chegavam à Austrália, onde o Land Cruiser se tornou tão popular a ponto de a fábrica japonesa não poder atender à demanda. Isso motivou a construção de nova unidade na Indonésia, em 1970, para suprir o mercado australiano e da Ásia Central, de maneira a destinar maior parte da produção japonesa ao mercado americano. Em 1964 começavam as exportações para a Europa, com as primeiras unidades sendo destinadas à Dinamarca, depois à Finlândia, Holanda, Bélgica, Suíça, Grã-Bretanha, França, Itália, Áustria, Grécia e Alemanha.


O Land Cruiser 1961, praticamente idêntico ao que a Toyota começou a montar aqui, com peças importadas, em 1958

É exatamente diante deste sucesso mundial que se pode considerar o Land Cruiser verdadeiro "cartão de visitas" da Toyota por todos os países em que esteve e está presente. O jipe foi seu principal produto não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo, o que ajudou a construir a boa imagem da marca nipônica nos quatro cantos da Terra.No Brasil   Em 23 de janeiro de 1958 estabelecia-se a Toyota do Brasil Indústria e Comércio Ltda., subsidiária da empresa japonesa. Ainda com sede no bairro do Ipiranga, na capital paulista, começava a montar o Land Cruiser FJ-251 em maio do ano seguinte pelo sistema de conjuntos CKD (completely knocked-down, completamente desmontados). Primeira atividade deste tipo fora da matriz japonesa, duraria até ser inaugurada a fábrica de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, em novembro de 1962.


Interior simples, mecânica robusta: receita ideal para o Brasil da época
O Toyota brasileiro era um jipe de 3,83 metros de comprimento, 2,28 metros entreeixos e 1.450 kg de peso. Podia acomodar -- modo de dizer, já que o conforto era mínimo -- seis pessoas em dois assentos inteiriços, enquanto dois bancos traseiros laterais aumentavam a capacidade para sete a nove pessoas. O motor Toyota 2F a gasolina, de seis cilindros e 4,0 litros, o levava a pouco mais de 100 km/h.

Apenas um ano depois do início da montagem, em 1959, já alcançava 60% de nacionalização. Em 1961 a capota de lona tornava-se disponível e o motor passava a ser o OM-324 a diesel, fornecido pela Mercedes-Benz, com 78 cv brutos a 3.000 rpm. Embora mais fraco que o antecessor, consumia menos e tinha torque suficiente para as funções do veículo. O principal objetivo da mudança, porém, era aumentar a nacionalização dos componentes.


Quatro anos depois, inaugurava-se a fabricação do Bandeirante em São Bernardo do Campo, SP, já com motor diesel fornecido pela Mercedes-Benz
Com a produção brasileira, o produto era rebatizado de acordo com a onda nacionalista da época: o Land Cruiser passava a Bandeirante, quase uma tradução literal do nome original em inglês. Um veículo desbravador, aventureiro, que não temia caminhos desconhecidos e não escolhia estradas. Um utilitário perfeito para um país até então estritamente agrário e com uma malha viária muito reduzida.

As carrocerias eram fabricadas em São Caetano do Sul pela Brasinca, tradicional fabricante de carrocerias em chapa de aço (leia história do esportivo Uirapuru). Em 1963 o jipe com capota rígida, de aço, passava a ser uma opção ao lado do picape com caçamba também de aço, mais tarde denominado picape de chassi curto, dada a oferta de um chassi mais longo pela Toyota. Detalhe curioso é que este picape era considerado no mundo todo um LWB (long wheelbase, entreeixos longo), uma vez que o SWB (short wheelbase, entreeixos curto) era fabricado sobre o chassi do jipe curto.

A transmissão era a mesma do modelo japonês, com a primeira marcha muito reduzida (relação de 5,41:1) e a segunda sendo usada para arrancar no uso urbano; apenas a terceira e a quarta marchas eram sincronizadas. Em 1968 o jipe alcançava 100% de produção nacional e no ano seguinte a carroceria passava a ser feita na própria Toyota, em São Bernardo.

Sem mudanças significativas de estilo, o Bandeirante recebia apenas alterações técnicas de tempos em tempos. Em 1973 era adotado o motor Mercedes-Benz OM-314. Trazia injeção direta de combustível, cilindrada de 3.784 cm3 e potência de 85 cv líquidos a 2.800 rpm, além de taxa de compressão mais baixa -- 17:1 contra 20,5:1 dos primeiros Mercedes --, para um funcionamento mais suave.

Embora ganhasse aprimoramentos mecânicos e de conforto, o Bandeirante teve uma evolução lenta. E manteve, durante 43 anos, as mesmas linhas básicas da carroceria (na foto um Land Cruiser 1979)
Lenta evolução   A empresa só deixou de ser deficitária em 1978. Em 1980 a demanda impunha um ano de espera aos compradores e, em maio do ano seguinte, vinham enfim um câmbio de quatro marchas "reais" (a primeira, embora curta, devia ser usada nas saídas pois a segunda estava mais longa) e uma caixa de transferência com duas velocidades, como no Jeep. O Bandeirante passava a ter quatro marchas "reais" e mais quatro reduzidas, alteração que já havia sido feita nos Land Cruisers japoneses em 1974. Outra novidade estava na grade do radiador.

Atenta a uma prática comum no mercado, a Toyota passava a oferecer no Brasil os chassis mais longos já utilizados no Land Cruiser, colocando no mercado picapes com e sem caçamba de entreeixos maior. Outras mudanças eram as maçanetas das portas embutidas, juntas homocinéticas no lugar das tradicionais cruzetas, redimensionamento do sistema de escapamento, com novos pontos de fixação, e árvore de transmissão (cardã) bipartida, com rolamento central, de maneira a suavizar as vibrações do sistema.


A variedade de opções era um ponto alto do Toyota: além do jipe, eram oferecidos picapes com e sem caçamba e peruas, além de distâncias entre eixos diversas


Havia ainda a cabine dupla, opcional no picape de chassi longo, e o eixo traseiro flutuante nos picapes. Nesse sistema, os cubos de roda são apoiados diretamente na carcaça do eixo e as semi-árvores são responsáveis apenas pela tração. Trata-se de um sistema mais seguro, uma vez que no eixo semi-flutuante os cubos das rodas são fixados diretamente nas semi-árvores.

No caso de quebra da semi-árvore, sendo o eixo flutuante, ocorre apenas a perda da tração. Já no caso do eixo semi-flutuante o veículo perde uma das rodas, ficando praticamente desgovernado. O eixo flutuante é muito utilizado por caminhões e utilitários pesados como o Bandeirante, mas infelizmente deixado de lado na maioria dos picapes médios e grandes.
O jipe BJ50LV de 1992 trazia o novo emblema frontal da marca, mas o motor permanecia Mercedes. Pneus mais largos, melhor acabamento e acessórios como ar-condicionado buscavam um público mais interessado no lazer


No final dos anos 80 surgia uma pequena reestilização da linha, com grade em plástico preto incorporando os faróis principais, que passavam a ser retangulares e assimétricos -- até então o tipo usado era o sealed-beam, totalmente vedado, mas menos eficiente. O filtro de ar utilizava elemento de papel, em vez do tradicional filtro a óleo, e o sistema de escapamento tinha os pontos de fixação alterados por causa de outro aprimoramento: o motor Mercedes-Benz OM-364, com taxa de compressão e potência mais altas do que o antigo OM-314 (17,3:1 contra 17:1 e 90 cv líquidos contra 85 cv).

Em 1993 era introduzida uma das mudanças mais bem-vindas para o Bandeirante: o câmbio de cinco marchas, com quarta direta (relação 1:1) e a quinta funcionando como sobremarcha. A novidade permitia sensível queda no consumo rodoviário e viagens em velocidades de cruzeiro mais altas -- antes limitadas pelo câmbio de quatro marchas, com o qual dificilmente conseguia manter mais de 100 km/h constantes.

Aprimoramentos internos deixaram o Bandeirante menos áspero,
mas ele nunca foi exemplo de conforto, mesmo comparado a outros jipes
Em 1985 surgia um painel de instrumentos mais completo, que reunia o marcador de combustível, termômetro do motor, manômetro do óleo e voltímetro, todos no painel principal, com conta-giros e relógio do lado direito. Havia também a oferta de "santantônio", quebra-mato, rodas largas, faróis auxiliares e cores alegres, em busca do público jovem. Dois anos depois o sistema de freios era redimensionado (sempre foi fonte de problemas constantes, o principal ponto fraco do Bandeirante; e a direção assistida era oferecida como equipamento opcional, para os que exigiam certo conforto.

A radiografia mostra o robusto chassi do picape com carroceria de madeira, modelo 1992 (clique na imagem para ampliar)

Outras mudanças eram o tanque de combustível maior, de 63 litros; a direção assistida como equipamento de série, com amortecedor de direção instalado entre as longarinas, necessário para eliminar a vibração no volante, popularmente conhecida como shimmy e comum em utilitários; sistema de ventilação forçada; suspensão com estabilizadores; melhoramentos no sistema de freios, mais uma vez; e válvula moduladora da força de frenagem no eixo traseiro para os picapes, o que amenizava a tendência a travamento das rodas posteriores quando descarregados.

No ano seguinte o Bandeirante voltava ao usar um motor Toyota japonês, o mais moderno 14B, que priorizava a potência em rotações mais altas: 96 cv a 3.400 rpm, contra 90 cv a 2.800 rpm do OM-364 da Mercedes. Melhorava o desempenho na estrada, podendo-se manter velocidades em torno de 110/120 km/h sem problemas, mas não havia a mesma força do motor Mercedes em baixas rotações, o que acabou por criar duas "facções" entre os tradicionais consumidores do Bandeirante.

Alguns preferiam a suavidade de funcionamento e o melhor desempenho na estrada do 14B, enquanto outros não abriam mão da durabilidade e do torque do motor Mercedes: 24 m.kgf a apenas 1.800 rpm. O 14B também não prometia a durabilidade do OM-364, que podia chegar facilmente a 1.000.000 de quilômetros quando bem cuidado, além de ter uma rede de assistência técnica infinitamente superior, pois incluía as concessionárias de caminhões Mercedes -- também tradicionais pontos-de-venda do jipe. Depois de 34 anos no mercado, a Toyota finalmente instalava freios a disco nas rodas dianteiras, solucionando os problemas no sistema hidráulico que os tambores muitas vezes apresentavam

Em 1999 era apresentado o picape de cabine dupla e quatro portas, para disputar mercado com o Land Rover Defender 130 em aplicações como empresas de eletricidade e telefonia, que precisam chegar a locais de difícil acesso. Nesses serviços o nome Toyota era sinônimo de utilitário, assim como ocorrera com Jeep (jipe). Mas, apesar de um desempenho fora-de-estrada similar ou até superior, o Bandeirante não era páreo para o Defender em conforto, seja pelo espaço da cabine ou pelas molas helicoidais, adotadas na suspensão do utilitário de origem inglesa.

O jipe BJ50LVB, de entreeixos mais longo. A substituição do motor Mercedes por um Toyota de rotação mais alta foi rejeitada por parte dos compradores
 Em outubro a marca de 100.000 unidades produzidas era alcançada, mas o fim do Bandeirante estava próximo. Apesar de mais moderno que os antigos Mercedes-Benz, o motor 14B já não se enquadrava nas normas de emissões de poluentes que entrariam em vigor. No início de 2000 a Toyota iniciava estudos para substituí-lo por um propulsor mais atual, talvez um turbodiesel de menor cilindrada, a exemplo do Land Rover e do JPX. Mas as opções disponíveis se mostravam inviáveis.

Depois de mais de quatro décadas com um importante papel no desenvolvimento do País e sendo sinônimo de robustez a toda prova, a última unidade do Bandeirante -- um jipe curto com capota de aço -- deixava a linha de produção, levando a sério um de seus maiores slogans publicitários: "o Toyota fica e os outros passam", com sua foto ao lado de um ferro-velho, ou "o Toyota passa e os outros ficam", mostrando-o em um atoleiro.

A recente série Sport, mais uma tentativa de cativar o público jovem. Pouco depois o Bandeirante entregava os pontos, vítima das normas de emissões e do desinteresse da marca em mantê-lo

Foram 103.750 unidades produzidas, que sobem para 104.621 se somados os Land Cruisers montados em CKD. Esse indestrutível desbravador de caminhos com certeza deixará saudades, inclusive por representar uma das poucas opções no segmento dos jipes "puros e duros", que a cada ano dão lugar a todo tipo de utilitários-esporte, mais luxuosos e confortáveis, mas inadequados à proposta original de um legítimo 4x4.



A manutenção do Bandeirante
por Felipe Cavalcante Bitu - Edição: Bob Sharp
Apesar de extremamente robusto, o Toyota Bandeirante, como todo veículo, precisa de manutenção preventiva. O jipe apresenta dois pontos críticos: o sistema de freios e a corrosão das chapas de aço. Até 1996 todos eram equipados com freios a tambor nas quatro rodas, com um sistema de dois cilindros de roda -- duplex, um por sapata -- que requer atenção na hora de regular os freios. A porca de ajuste deve ser sempre movimentada no sentido de rotação da roda para encostar a lona. O sistema é um tanto ineficiente quando não conta com a assistência de um servo-freio e costuma apresentar vazamentos. Por isso, é preciso atenção ao nível do fluido de freios e substituí-lo a cada dois anos no máximo.

Deve-se ficar atento a qualquer variação no curso do pedal do freio e verificar uma vez por mês o ajuste das lonas, o que pode ser feito suspendendo todo o veículo. Para ter certeza de que nenhuma roda ficou com freio agarrando, engata-se a primeira marcha com a tração 4x4 ligada e verifica-se o movimento das quatro rodas, que deve ser uniforme. Uma roda presa ou movimentando-se em menor velocidade do que a do lado oposto indica a necessidade de soltar um pouco o freio respectivo.

Outro problema é o desgaste das lonas de freio para veículos que costumam fazer travessia de rios, trafegar em locais pantanosos e encharcados, o que piora muito o funcionamento do sistema e acaba por destruir as lonas. Para esses jipes, é necessário sempre remover os tambores para retirar os resíduos das lonas e outros detritos que vão se acumulando no sistema, operação simples e rápida.

Comum aos freios do Toyota, e de boa parte dos 4x4 mais antigos, são os desvios na trajetória durante a frenagem. Muitos os atribuem ao desequilíbrio causado pelos diferenciais deslocados para o lado direito dos eixos, necessários para que as árvores de transmissão (cardãs) não trabalhem em ângulos extremados, o que poupa as juntas universais. A diferença de massas entre os lados do eixo causaria os desvios, mas isso é um mito apenas, pois as puxadas podem ocorrem tanto para um lado quanto para o outro.

Freios a tambor sempre foram muito sensíveis a ajuste, notadamente os tipo duplex, daí a importância do ajuste correto. Mas esses desvios não assustam o motorista já familiarizado com o Bandeirante. Existem hoje freios dianteiros a disco específicos para o Bandeirante, vendidos em kit com as peças necessárias para a modificação, que costuma ter bons resultados se efetuada com os cuidados necessários.

O outro ponto crítico do Bandeirante, a corrosão, pode ser contornado com providências simples, como destampar os drenos do assoalho de maneira a manter a cabine o mais seca possível. Para os picapes é aconselhável um revestimento de plástico polietileno, já que não são encontrados protetores de caçamba específicos para eles. Em geral, pequenos pontos de ferrugem são suficientes para que a corrosão se alastre e tome conta de toda a carroceria, enorme desvantagem em relação a um de seus principais concorrentes -- o Land Rover Defender, que além de possuir freios a disco nas quatro rodas, utiliza carroceria em alumínio. A corrosão só não é um problema maior para o Bandeirante por causa de suas grossas chapas de aço.

Os cuidados restantes são convencionais, como trocar o óleo e manter seu nível, respeitada a capacidade mínima e máxima do cárter (6,5 e 9,5 litros no caso do motor Mercedes). Use óleo SAE 15W40, SAE 30 ou mesmo SAE 40, para regiões quentes. No sistema de direção é comum escutarem-se alguns estalos, provenientes dos terminais da barra de direção e do braço angular. Substitua os terminais quando apresentarem folga excessiva e mantenha-os sempre lubrificados com graxa à base de lítio, a cada 5.000 km ou após trafegar por terrenos alagados.

A embreagem do Bandeirante possui acionamento hidráulico e não costuma apresentar problemas, mas não é raro o pedal baixar com o tempo, o que torna as trocas de marcha mais difíceis. Isso é solucionado ajustando o curso do cilindro-mestre da embreagem por meio da haste conectada à parte superior do pedal, que possui uma rosca.
Há dois sistemas de filtragem de ar para o Bandeirante: o filtro em banho de óleo, recomendado para serviços pesados em locais com muita poeira; e o filtro de ar seco, que com o passar dos anos foi sendo aperfeiçoado, chegando a bons níveis de confiabilidade. O banhado em óleo necessita de inspeção a cada três dias em ambientes de muita poeira, e a cada 15 dias em condições normais de uso. O seco possui um indicador de restrição transparente do lado de fora da carcaça do filtro.Quando o indicador se aproximar da faixa vermelha, efetue a limpeza com um ar comprimido de dentro para fora ou troque o elemento.
O motor Mercedes possui dois filtros de óleo diesel, necessários para separar a água que muitas vezes vem misturada ao combustível. A cada seis meses ou 20.000 km, abra os drenos dos filtros de modo a esvaziar a água contida neles. Filtros cheios de água impedem a correta filtragem do óleo, que pode ser queimado junto com a água nele presente, causando falhas e, em casos extremos, impedindo o funcionamento do motor.

Muitas vezes ocorre a entrada de ar na bomba injetora, o que impede o correto funcionamento, A marcha-lenta fica irregular ou pode ser impossível pôr o motor para funcionar. Neste caso, use uma pequena bomba manual localizada próxima ao cabeçote, em cima dos filtros de diesel. Basta soltar a rosca que prende a bomba e abrir o parafuso da mangueira da bomba com uma chave sextavada de 17 mm (chave de boca). Bombeia-se o diesel para fora da bomba, até eliminar toda a espuma, fechando o parafuso em seguida e dando a partida no motor.

Então, deixa-se o jipe em funcionamento durante cinco minutos, para estabilizar a marcha-lenta, que é regulada no interior do veículo através do botão estrangulador utilizado para desligar o motor. Girando o botão para a esquerda a marcha-lenta diminui e para a direita, aumenta, devendo ser checada com o auxílio do acelerador. A marcha-lenta ideal fica entre 700 a 800 rpm.

Os cubos das rodas dianteiras, bem como suas juntas, cruzetas, munhões (dependendo do ano), devem ser lubrificados a cada 25.000 km com graxa à base de lítio, cuidado que deve ser redobrado ao se trafegar por terrenos alagados. O mesmo deve ser feito com o óleo dos diferenciais, checados a cada 10.000 km ou substituídos logo depois de travessias por rios, sempre observando se há limalha no óleo velho ou contaminado. Deve ser utilizado óleo SAE 90.

Outro detalhe quase sempre esquecido: o óleo da caixa de transferência, que deve ser trocado a cada 10.000 km. Muitos proprietários verificam o nível do óleo da caixa de mudanças, mas se esquecem da caixa de transferência, condenando-a em curto prazo. Em algumas regiões do Brasil muitos proprietários instalam um canal entre as duas caixas, para que o abastecimento da caixa de transferência seja feito de maneira automática. Assim como os diferenciais, deve ser utilizado óleo SAE 90.

No sistema elétrico é comum a umidade afetar alguns terminais, como os das lanternas traseiras. Borrifar WD 40 nos plugues e terminais elimina a umidade e restaura seu correto funcionamento. O sistema de escapamento deve ter seus coxins e pontos de fixação inspecionados toda semana, para evitar surpresas desagradáveis, como aquele imenso escapamento caindo na rua. Os pequenos coxins costumam quebrar com freqüência, mas são baratos e de fácil substituição.

Um cuidado a tomar nos picapes é na hora de retirar o estepe da bandeja. Nos modelos mais antigos, até 1991, o sistema de fixação da bandeja não permitia que ela fosse baixada suavemente, o que podia resultar em ferimento grave na mão usada para desatarraxar a porca-borboleta de fixação. Isso porque, não existindo limitador de curso da bandeja, a alça atingia diretamente o chão, constituindo ameaça para mão e dedos.

BCWS tem conhecimento de um caso de dedo decepado pela alça da bandeja no momento em que esta chegou abruptamente ao solo. Portanto, os proprietários desses veículos devem ficar atentos e cuidar para que a porca-borboleta seja retirada com uma mão e a alça seja segura pela outra, levando em conta que o sistema de fixação fica atrás da placa traseira, portanto fora do alcance visual. Considerar também o expressivo peso do conjunto bandeja, roda de aço de 16 pol e pneu diagonal, que pode tornar muito difícil controlar a descida da bandeja.

Aconselha-se a praticar a operação em local iluminado e nivelado, que será de grande utilidade numa real troca de pneu na rua. A partir do modelo 1992, a bandeja dispõe de um sistema de sarilho, em que a bandeja desce lentamente ao se acionar um parafuso sem-fim, sem precisar usar as mãos.

Com todas essas precauções, é quase certo que seu Bandeirante funcione perfeitamente por muitos anos -- ou muitas décadas.

Fonte: Carros do Passado